quarta-feira, 8 de junho de 2011

A Sociedade e o Risco: Meio Ambiente - A dependência da modernização *

Este texto não pretende ser uma resenha, nem um ensaio, muito menos um fichamento no sentido acadêmico do termo. Contudo, visará perseguir os caminhos que a seguinte indagação apresenta: de que maneira a cultura moderna representa um risco para as sociedades que a praticam?
O veículo sobre o qual nos apoiaremos para realizar essa investigação será um trecho do conhecido livro alemão, da década de 1980, de Ulrich Beck, “Sociedade de Risco - Rumo a uma outra modernidade”.
A tese-medular do livro, para dizer num sentido político, enfatiza que os perigos ou os “riscos” produzidos pela indústria mundial não afeta mais somente os pobres do mundo, mas a todos. Nesse caso, o que diferencia as classes no que tange aos contatos com a poluição e a contaminação é, parece, o ritmo, ou seja, o povo tem chances de se envenenar primeiro.
Ao que parece, os investimentos para se atingir a sociedade do “bem estar” gerou uma espécie de resíduo venenoso. “As ameaças são um subproduto modernizacional de uma abundância a ser evitada”, argumenta o sociólogo. Em outras palavras, a fartura no mercado consumidor gera um ‘chorume[1], que compromete a felicidade consumista, ou pelo menos, a torna efêmera. Porém, a nossa razão atual ainda pensa a partir do sensível, ou melhor, da evidência empírica. Assim, quando o perigo deixa de ser visto, muito imaginam que ele não existe.
Um exemplo simples: no início dos anos 80 era comum ver o lixo que era varrido das ruas ser jogado nos rios que atravessavam as cidades. Qual a lógica?: se o lixo ‘desaparecia’, logo, se estava num lugar limpo, imaginava-se. Outro exemplo é o da ‘descarga-do-vaso’, basta puxar a ‘cordinha’ para que, num passe de mágica, desapareciam os dejetos, mas uma pergunta até então não incomodava: para onde isso está indo?
Ocorre que, na atualidade, o ‘lixo-químico’ é invisível, ou seja, não dá para vê-lo misturado no brilho da superfície lisa do mamão, pelo contrário, se imagina que aquele alimento está esbanjando sanidade. Esse movimento de visível para o invisível, por assim dizer, coloca sérios problemas para nossa faculdade mental, qual seja, como ela aprenderá a problematizar aquilo que não se apresenta aos sentidos como sendo algo que impõe ‘riscos’. Visto assim, é urgente uma re-significação dos valores da cultura vigente hoje, isto é, grosso modo, das maneiras de pensar causa e efeito.
É preciso que se saiba que os componentes químicos se tornaram parte da natureza, logo, se nos alimentamos de coisas ditas naturais, naturalmente estamos metamorfoseando-nos em seres ‘híbrido-negativos’. “Até mesmo nas carnes dos Pinguins antárticos foi encontrada recentemente uma superdose de DDT”, lembra Beck. Vê-se, pois, que o trânsito do lixo não-manifesto é mais veloz que parece.
As novas relações sociais com o conhecimento precisam ser balizadas por “suposições causais”, isto é, um escopo de pressupostos que são formulados à maneira da ciência, porém, sem fundamento no sensível. Noutras palavras, as pressuposições devem ser formuladas não com base em fenômenos empíricos, mas antes em supostas expectativas. Não se parte do empírico para o hipotético, mas do hipotético para o hipotético. Para Beck se trata da construção de uma “consciência cotidiana do risco, de uma consciência teórica e portanto cientificizada”. 
Não se deve esquecer que os “riscos”, nesse caso, não se automanifestam, mas é certo que eles demandam uma descrição que, por falta de termos, chamaremos de ‘teórico-política’. Isto é, suas características serão descritas bem como a necessidade de se regular, em termos políticos, os agentes sociais e econômicos que os facilitam. O papel de certa teoria social é, portanto, o de colaborar no abrandamento da confusão que girará em torno das seguintes questões: “como queremos viver? O que há de humano no ser humano, de natural na natureza, que é preciso proteger?”. Essas questões de cunho também existencial colocam em movimento o interesse de diferentes áreas do conhecimento e da sociedade, ou, como diz Beck, “pressupõe uma colaboração para além das trincheiras de disciplinas, grupos comunais, empresas, administração e política”. Entendendo, então, que os “riscos” são domínios complexos, resta abordá-los diferentemente de como se fazia no passado.
Em sua interpretação, Beck, ao pensar a relação ciência-risco, defende que ocorre sempre um tipo promoção da “quebra do monopólio da racionalidade científica”, ou seja, as invenções tecnológicas não estão amparadas por uma ética de restrição de usos impostos pelos seus inventores. Mais que isso, são protocolos sociais, senão econômicos que dirigem os destinos de suas criações: “eles (os cientistas) continuam a depender de expectativas e valores sociais que, como tais, lhes são restritas”. Se, as restrições lhes são, num certo sentido, impostas, uma inversão estranha passa a vigorar  a saber – não são os cientistas que prescrevem tecnologias, mas sim a sociedade e o poder econômico que lhes prescrevem o que fazer. Numa visão irônica da situação, Beck advoga que a ciência acaba “contraindo um casamento polígamo com a economia, a política e a ética – ou mais precisamente: elas convivem numa espécie de ‘concubinato declarado’”. A força dessa ideia induz à seguinte pergunta: qual desses parceiros tem suas vontades melhor atendidas?

Vontades que exigem expectativas...  
Para um professor de Beck, se deve considerar que “todas as histórias são constituídas pelas experiências vividas e pelas expectativas das pessoas que as sofrem”. Defende ele que não “há expectativa sem experiência, não há experiência sem expectativa”. Como exemplo, relembra: “a experiência da execução de Carlos I abriu, mais de um século depois, o horizonte de expectativas de Turgort, quando ele insistiu com Luiz XVI que realizasse as reformas que o haveriam de preservar de um destino diferente. O alerta de Turgort não encontrou eco. Mas, entre a Revolução Inglesa e a Francesa futura foi possível descobrir e experimentar uma relação temporal que ia além da mera cronologia. A história concreta amadurece em meio a determinadas experiências e a determinadas expectativas”. 
Parece-me que Beck aproveita-se da “expectativa” de Koselleck, isso porque esse diz que “a expectativa se realiza no hoje, é futuro presente, voltado para o ainda-não, para o não experimentado, para o que apenas pode ser previsto. Esperança e medo, desejo e vontade, a inquietude e a análise racional fazem parte da expectativa e a constituem”. Assevera-se enfim que “para os indivíduos ela (a experiência) chega sempre tarde demais; para os governos e para os povos ela nunca está disponível”.     

Referências:
1.   Beck, Ulrich. Sociedade de Risco - Rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.
2.   KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado : Contribuição a semântica dos tempos históricos. Editora. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006.


* HELDER DE MORAES PINTO
[1] Líquido mal cheiroso que escorre em lixões... 

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